RETRIBUIÇÃO DE ENERGIA
“According to scholars, pújá is the pre-Aryan or the Dravidian form of worship […].” Fonte: “Essentials For Puja” de Meera Sashital
Pújá pode ter vários significados: reverência, veneração, louvor. Podemos entender como retribuição de energia ou de força interior. Essas são as formas pelas quais nos referimos ao pújá na estirpe Dakshinacharatántrika-Niríshwarasámkhya Yôga. Mas o termo pode significar também homenagem aos superiores, adorar, prestar culto, venerar, honrar, reverenciar66.
Assim, se você seguir uma corrente de Yôga Vêdánta, o termo pújá poderá ter uma conotação totalmente diversa da de uma Escola de Yôga Sámkhya (ainda mais se for Niríshwarasámkhya). Enquanto no Sámkhya mais antigo, Pré-Clássico, pújá tem um sentido naturalista de sintonização com os arquétipos, na linha Vêdánta medieval ganha interpretação espiritualista e até religiosa.
Um bom exemplo do pensamento naturalista é o trecho da poesia de Fernando Pessoa:
Se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e luar
Então acredito nele a toda hora.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar.
VARIEDADES DE PÚJÁ
O conceito de pújá possui primeiramente duas divisões: báhya pújá (externo, expresso com oferendas materiais) e mánasika pújá (interno, manifestado por meio de mentalização e atitude interior).
Para realizar o báhya pújá, cinco prendas materiais, tradicionalmente, são mais recomendáveis: frutas, flores, tecidos, incenso e dinheiro. Dependendo da pessoa a quem se pretende honrar, algumas destas formas de oferenda podem não ser bem aceitas, portanto, informe-se antes de fazê-las impulsivamente, como ocorreu comigo na Índia, quando era jovem, no caso que relatei no livro Quando é Preciso Ser Forte. Não obstante essas cinco formas de pújá tradicionais, atualmente é comum o indiano médio oferecer a um swámi simplesmente uma caixa de doces! Na verdade, não importa o que você esteja ofertando. Importa é o sentimento, a intenção e a intensidade com os quais o pújá esteja sendo feito. A partir daí, podemos dizer que há um número infinito de variações, tanto de báhya pújá, quanto de mánasika pújá.
Na prática regular de Yôga, aplica-se mais o mánasika pújá, reservandose o báhya pújá para circunstâncias cerimoniais, sociais e festivas. No Oriente, são muitas essas ocasiões. Já, no Ocidente, resumem-se a umas poucas como o aniversário, Dia do Professor, Natal, inauguração de uma escola, encerramento de um curso ou evento etc. Uma modalidade denominada chakra pújá pode ser feita para comemorar a formalização do relacionamento afetivo de um casal de yôgins de linha tântrica.
O mánasika pújá faz-se com profunda concentração e visualizando emanações, fachos ou jatos de luz partindo do coração do praticante ou discípulo (dependendo do seu grau de identificação) em direção ao Preceptor, envolvendo-o e impregnando-o com a energia de saúde, carinho, amor, lealdade e apoio daquele que transmite o pújá.
A visualização terá muito mais validade se for potencializada por um sentimento verdadeiro, honesto e intenso. Essa luz pode ser visualizada com a coloração dourada, diáfana e brilhante, como o são em geral os fachos de luz, ou pode tomar as características cromáticas daquilo que se deseja melhor transmitir: se for saúde física e vitalidade, luz alaranjada; se for saúde generalizada com redução de stress, verde claro; se for paz, serenidade e sedação, luz azul celeste; se for afeto, rosa; se for para auxiliar uma superação kármica, violeta.
No entanto, de pouco adianta apenas visualizarmos cores ou mentalizarmos circunstâncias positivas se não pusermos mãos à obra. Seria muito semelhante àquelas pessoas que ficam só rezando para que a vida melhore, para que o dinheiro entre, para passar nas provas da faculdade, mas sem fazer por onde – esperando ganhar dinheiro sem trabalhar, ou ser aprovado nos exames sem estudar. Por exemplo, no pújá ao Preceptor, como parte objetiva do pújá, é necessário realizar ações efetivas e concretas (pújá karman) em prol da obra e da pessoa desse orientador.
Na prática ortodoxa de SwáSthya Yôga convencionaram-se quatro segmentos de pújá:
1) Bhavana67 pújá – ao local que acolhe os praticantes e que ficará
impregnado de forças positivas;
2) Guru pújá – | ao instrutor que ministra a prática em curso, na qualidade de representante de Shiva; |
3) Sat guru pújá – | ao Preceptor vivo mais antigo da nossa linhagem, que transmite a força de Shiva; |
4) Shiva pújá – | ao criador do Yôga, o homem que iniciou esta tradição na Civilização do Vale do Indo. |
Na prática heterodoxa, o pújá pode sofrer algumas discretas adaptações, desde que quem o faça tenha a autorização do seu Mestre.
PARA QUÊ PÚJÁ?
A função do pújá é estabelecer uma corrente de sintonia entre o discípulo e o Preceptor e, logo em seguida, realizar energeticamente o fenômeno dos vasos comunicantes: aquele que tem mais deixa fluir para aquele que tem menos. Quem tem mais força e conhecimento é o Preceptor. Contudo, pela Lei Natural de Ação e Reação, se o discípulo tomar uma atitude vampiresca e parasitária de querer sugar, querer só receber, gera um campo de força, de reação, que bloqueia tudo. Por outro lado, se o discípulo educado trata de somente enviar uma oferenda de bons sentimentos e mentalizações ao seu Preceptor, gera-se um campo de força favorável à identificação entre ambos, consequentemente, ocorre um jorro de retorno àquele que fez a emissão de doação. Mas, cuidado: não se faz pújá com segundas intenções, para receber o retorno. Isso é sequela de uma educação deturpada, em que a pessoa quase sempre quer levar vantagem ou receber um benefício, em vez de manifestar o comportamento mais digno que seria dispor-se a oferecer algo, desinteressadamente.
PARA QUEM SE FAZ PÚJÁ
Pode-se fazer pújá a um local sacralizado, a uma pessoa consagrada, ou a uma egrégora, isto é, a uma entidade gregária, o ser arquetípico que polariza e nucleia um grupo de indivíduos.
Quando entre pessoas, o pújá faz-se somente em sentido ascendente, ou seja, do inferior ao superior hierárquico. Assim, um devoto pode fazer pújá à sua divindade, um filho pode fazer pújá ao seu pai ou mãe, e o aluno ao professor, mas o contrário não. No chakra pújá os convidados à cerimônia oferecem um pújá ao casal pelo motivo de que, naquele momento, os nubentes representam Shiva e Shakti.
Como em todas as coisas do Hinduísmo, com relação ao pújá encontram-se também opiniões as mais variadas e discrepantes. Em algumas regiões e em determinadas escolas, o pújá muda de nome ou, então, entende-se que ele não possa ser direcionado a outro Ser Humano, mas apenas ao Ser Divino. Outras contra-argumentam que o Ser Divino está dentro de todo Ser Humano, portanto, o pújá pode ser feito ao pai ou ao professor. Se formos ater-nos à teorização e à filosofia especulativa, isso se tornará uma discussão sem fim.
O importante é o praticante saber que o pújá é parte da etiqueta e das boas maneiras yôgis (consulte o livro Método de Boas Maneiras, deste autor). Seja qual for sua origem, casta, credo ou posição sócio-cultural, antes de qualquer coisa deve ter lugar um pújá. O pújá é como se fosse o agradecimento prévio pelo que ainda vai ser feito. É um “muito obrigado” dito pelo aluno antes da aula, assim que chega para a classe. É a maçã que a criança leva espontaneamente para a sua professora primária.
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DO PÚJÁ
A falta do pújá prejudica o praticante, pois o instrutor não dispõe de energia inesgotável para ministrar tantas classes e continuar com forças para irradiar magnetismo aos seus pupilos. É com a energia previamente ofertada pela turma que o instrutor vai operar. Ele processa e reflete essa força de volta para os seus alunos na forma de uma aula muito melhor, mais poderosa, mais dinâmica, mais mágica e mais transformadora.
A carência do pújá pode lesar o instrutor severamente. Afinal, quando os Antigos sacramentaram o pújá como parte fundamental da prática de Yôga, sabiam o que estavam fazendo. Com que petulância os contemporâneos decidem que isso não é importante e o suprimem?
Os instrutores de Yôga ocidentais têm complexo de Deus. Acham que são imortais, que suas energias são inesgotáveis e que podem ensinar Yôga anos a fio, dando, dando sempre, sem exaurir-se. A síndrome de divindade é de tal forma aguda que muitos profissionais, além de não ensinarem pújá aos seus alunos, ainda selecionam os mais fracos e carentes de energia para trabalhar com eles, às vezes, exclusivamente: são os que direcionam sua divulgação especìficamente para idosos e enfermos! Não é de se admirar que esse tipo de instrutor acabe contraindo sérios problemas de saúde. Primeiramente, alguns ficam neurastênicos e com sintomas psicóticos. Na segunda fase, somatizam enfermidades que absorveram por interferir com o karma dos seus alunos sem aplicar o dispositivo de segurança que os Sábios Ancestrais nos proporcionaram – o pújá. E, finalmente, morrem mais cedo, exauridos.
Observe-se que na nossa Escola, na qual utilizamos pújá, em quase 40 anos não ocorreu nenhum óbito. Considerando que somos inúmeras escolas em vários países e centenas de instrutores, estamos diante de um dado estatístico que merece estudo.
E há alguma explicação para os instrutores do nosso tipo de Yôga terem mais saúde e viverem mais tempo que os demais? Certamente. Utilizamos a técnica chamada pújá e somos de linha tântrica, a qual valoriza o corpo, a saúde, o prazer e esse milagre que é a vida. Como, desde que o SwáSthya Yôga foi introduzido no Brasil, na década de 60 do século XX, nenhum instrutor nosso passou para o outro lado da vida, criou-se o provérbio sobre a causa mortis de um preceptor. Dizem que um instrutor de SwáSthya Yôga só morre de rir!
Aliás, já que estamos em clima de descontração, vale a pena lembrar que pujante, em português, significa possante, que tem grande força; e pujar, quer dizer superar! Não é uma simpática coincidência? Sabendo-se que o sânscrito influenciou etimologicamente a maioria das línguas modernas, podemos até supor que tenha ocorrido algo mais do que acaso.
Texto extraído do livro Tratado de Yôga, DeRose. Editora Egrégora.